December 22, 2016
Mark Weisbrot
Folha de São Paulo, 22 de dezembro, 2016
The Hill, 22 de dezembro, 2016
The Huffington Post, 22 de dezembro, 2016
Quando Dilma Rousseff foi afastada definitivamente da Presidência, em agosto, muitos qualificaram o ocorrido como golpe.
A presidente não foi acusada de nada que pudesse legitimamente ser descrito como crime, e os líderes do impeachment indicaram, em conversas gravadas, que queriam se livrar dela para suspender uma investigação sobre corrupção na qual eles e seus aliados políticos estavam envolvidos.
Outros avisaram que, empreendido esse caminho, ocorreria a seguir uma degradação maior das instituições e do Estado de direito. Foi exatamente o que aconteceu, seguido pela repressão política que quase sempre acompanha esse tipo de “mudança de regime”.
No dia 4 de novembro, a polícia invadiu uma escola administrada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Guararema, no Estado de São Paulo.
Os policiais dispararam balas reais (não de borracha) e fizeram várias prisões, suscitando condenação internacional. O MST é um movimento social poderoso que conquistou direitos à terra para centenas de milhares de brasileiros da zona rural nas três últimas décadas. Foi adversário destacado do golpe de agosto.
A politização do Judiciário já era um problema de importância maior no período que antecedeu o afastamento de Dilma. Agora assistimos a uma corrosão maior das instituições, quando um juiz do Supremo Tribunal Federal emitiu uma liminar afastando Renan Calheiros da presidência do Senado.
Calheiros desafiou a liminar e não abandonou o posto. O presidente Michel Temer então negociou com o restante do STF a manutenção de Calheiros no cargo. O grande receio de Temer e seus aliados era que o afastamento pudesse fazer descarrilar uma emenda constitucional escandalosa que pretende congelar os gastos governamentais reais pelos próximos 20 anos, o que acabou sendo aprovado pelo Congresso.
Considerando que a população brasileira está projetada para crescer cerca de 12% nos próximos 20 anos e que a população também estará em processo de envelhecimento, a emenda é um inusitado compromisso de longo prazo com a pobreza crescente.
Vai “colocar o Brasil numa categoria socialmente regressiva própria”, observou Philip Alston, relator especial da ONU para a pobreza extrema e os direitos humanos, descrevendo a medida como um ataque aos pobres. Os cortes que o governo propõe para as aposentadorias públicas vão atingir mais duramente a classe trabalhadora e os mais pobres.
A deterioração da democracia, do Estado de direito e dos direitos civis é o que ocorre quando uma elite corrupta utiliza uma “mudança de regime” ilegítima para aprovar à força mudanças estruturais grandes e regressivas para as quais jamais ganharia apoio nas urnas.
A mídia internacional nos diz que o arrocho orçamentário é necessário e vai, na realidade, ajudar a arrancar o Brasil da depressão em que se encontra. Mas isso contraria a lógica econômica e contábil básica, além das evidências empíricas, incluindo a experiência desastrosa do próprio Brasil desde o início de 2014.
Os juros exorbitantes do país representam outra política macroeconômica fracassada que bloqueia a recuperação econômica. Esses juros são definidos pelo Banco Central e há décadas estão entre os mais altos do mundo, em termos reais.
O governo atual não tem nada a oferecer, exceto uma repetição do fracasso econômico de longo prazo de 1980-2003, que a população não vai aceitar. Vem daí a degradação que está promovendo das mais importantes instituições políticas do país.
Mark Weisbrot é co-diretor do Centro Pesquisa para Economia e Política em Washington, D.C., e presidente do Just Foreign Policy. Também é autor do livro “Failed: What the ‘Experts’ Got Wrong About the Global Economy” (2015, Oxford University Press). Você pode subscrever para receber seus artigos aqui.